Sunday, February 5, 2012

Ainda a questão da ciência e da tecnologia: e a engenharia?

O que é a engenharia?
Michael Polanyi faz uma exploração muito útil do conceito (ver, por exemplo, o segunda lição de Tacit dimension): a engenharia preocupa-se com os principios operacionais de entidades compreensivas - os tais "artefactos" da tecnologia. Por outras palavras: a engenharia preocupa-se com as questões sistémicas (ao nível de sistema) em entidade constituídas por partes - a "lógica" do funcionamento dos mecanismos. Por isso não se pode reduzir a engenharia aos princípios da química e da física - a engenharia está num plano (ou "camada") acima disso. Os limites da engenharia são impostos pelas condições fronteira do seu nível - que são impostos pelo nível inferior, da química e da física. Quando uma máquina falha, encrava ou "parte", a responsabilidade é do nível inferior, da química e da física. Quando uma máquina não atinge os seus objectivos práticos, é uma falha de engenharia.
Por isso não se pode pensar engenharia ignorando as ciências que controlam o funcionamento dos materiais, das forças, das reações químicas, etc. Mas a engenharia não se confunde com essas ciências - mesmo que as fronteiras entre ciência e tecnologia possam por vezes ser difusas e pouco claras.
Como consequência, a essência da engenharia não se pode confundir com o pensamento científico. Preocupa-se com princípios operacionais que sustentam o funcionamento de tecnologias. Como já se disse, a tecnologia não procura a verdade, mas a criação de valor. A engenharia, como conhecimento sistemático de princípios operacionais, não pode restringir-se ao conhecimento científico - na realidade pode usar muito conhecimento científico, pode mesmo organizar parte do seu conhecimento como se fosse uma ciência, mas na realidade a engenharia integra em grande escala, e prioritariamente, conhecimento empírico (não necessariamente "científico") de natureza tácita. Conhecimento empírico, obtido pela tatear de experiências e ensaios, dos sucessos e dos insucessos, que permite que os sistemas funcionem (ou acabem por funcionar) - mesmo que não sejam bem conhecidas ou compreendidas as razões porque na realidade funcionam mesmo. A ideia de que hoje em dia "a tecnologia é científica" não é verdade - sem prejuízo de hoje em dia a incorporação de conhecimento científico nas tecnologias ser feito em muito maior escala e com muito maior profundidade e, naturalmente, permitir explorar tecnologias para além do que antes era razoável ou viável.
Se a engenharia depende então tanto de conhecimento não formal, mas empírico e tácito, logo por definição de raízes pessoais (obtido por interiorização das experiencias pessoais), então o ensino da engenharia tem que facilitar essas oportunidades, e ajudar mesmo a apreender os respectivos processos de facilitação. O que pode ser é muito dificil, dada a variedade de ambientes aplicacionais da engenharia. Mas é indispensavel. Como é que isso é reflectido nessa coisa do RAD?
Sou de uma geração que nasceu para a engenharia com o "admirável mundo novo" dos modelos matemáticos e da simulação numérica com computadores, em grande escala, em engenharia. Recordam-se das grandes esperanças na cibernética (anos 60 e 70), inclusivé como instrumento "científico" de planeamento económico e social ? Quarenta anos depois isso foi largamente interiorizado, mesmo rotinizado, e compreendemos agora alguns dos exageros das esperanças aí colocadas: (como seria de esperar) afinal há ainda muita engenharia a descobrir e compreender para além dos modelos e das simulações, e o retorno da importância da experiência empírica em engenharia conhece um renascer nas discussões sobre a pedagogia e a didática do ensino da engenharia. Como é que isso reflecte na nossa Escola de Engenharia? Como é que isso se reflete nos nossos programas doutorais e na forma como se organizam e discutem os doutoramentos?
A adopção de metodologias puramente "científicas" na engenharia e nas tecnologias é um erro que castra mesmo o essencial do que se procura ou pretende. Esta confusão é lamentável, bem conhecida e persistente.

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