O que é a engenharia?
Michael Polanyi faz uma exploração muito útil do conceito (ver, por exemplo, o segunda lição de Tacit dimension):
a engenharia preocupa-se com os principios operacionais de entidades
compreensivas - os tais "artefactos" da tecnologia. Por outras palavras: a
engenharia preocupa-se com as questões sistémicas (ao nível de sistema)
em entidade constituídas por partes - a "lógica" do funcionamento dos
mecanismos. Por isso não se pode reduzir a engenharia aos princípios da
química e da física - a engenharia está num plano (ou "camada") acima
disso. Os limites da engenharia são impostos pelas condições fronteira
do seu nível - que são impostos pelo nível inferior, da química e da
física. Quando uma máquina falha, encrava ou "parte", a responsabilidade
é do nível inferior, da química e da física. Quando uma máquina não atinge os seus objectivos práticos, é uma falha de engenharia.
Por isso não se pode
pensar engenharia ignorando as ciências que controlam o funcionamento
dos materiais, das forças, das reações químicas, etc. Mas a engenharia
não se confunde com essas ciências - mesmo que as fronteiras entre
ciência e tecnologia possam por vezes ser difusas e pouco claras.
Como
consequência, a essência da engenharia não se pode confundir com o
pensamento científico. Preocupa-se com princípios operacionais que
sustentam o funcionamento de tecnologias. Como já se disse, a tecnologia
não procura a verdade, mas a criação de valor. A engenharia, como
conhecimento sistemático de princípios operacionais, não pode
restringir-se ao conhecimento científico - na realidade pode usar muito conhecimento
científico, pode mesmo organizar parte do seu conhecimento como se fosse
uma ciência, mas na realidade a engenharia integra em grande escala, e
prioritariamente, conhecimento empírico (não necessariamente
"científico") de natureza tácita. Conhecimento empírico, obtido pela tatear de experiências e ensaios, dos sucessos e dos insucessos, que permite que os
sistemas funcionem (ou acabem por funcionar) - mesmo que não sejam bem conhecidas ou
compreendidas as razões porque na realidade funcionam mesmo. A ideia de que hoje em dia "a
tecnologia é científica" não é verdade - sem prejuízo de hoje em dia a
incorporação de conhecimento científico nas tecnologias ser feito em
muito maior escala e com muito maior profundidade e, naturalmente,
permitir explorar tecnologias para além do que antes era razoável ou
viável.
Se a engenharia depende então tanto de conhecimento não
formal, mas empírico e tácito, logo por definição de raízes pessoais
(obtido por interiorização das experiencias pessoais), então o ensino da
engenharia tem que facilitar essas oportunidades, e ajudar mesmo a
apreender os respectivos processos de facilitação. O que pode ser é
muito dificil, dada a variedade de ambientes aplicacionais da
engenharia. Mas é indispensavel. Como é que isso é reflectido nessa
coisa do RAD?
Sou de uma geração que nasceu para a engenharia com o
"admirável mundo novo" dos modelos matemáticos e da simulação numérica com computadores, em grande escala,
em engenharia. Recordam-se das grandes esperanças na cibernética (anos 60 e 70), inclusivé como instrumento "científico" de planeamento económico e social ? Quarenta anos depois isso foi largamente interiorizado,
mesmo rotinizado, e compreendemos agora alguns dos exageros das
esperanças aí colocadas: (como seria de esperar) afinal há ainda muita
engenharia a descobrir e compreender para além dos modelos e das
simulações, e o retorno da importância da experiência empírica em
engenharia conhece um renascer nas discussões sobre a pedagogia e a
didática do ensino da engenharia. Como é que isso reflecte na nossa
Escola de Engenharia? Como é que isso se reflete nos nossos programas
doutorais e na forma como se organizam e discutem os doutoramentos?
A
adopção de metodologias puramente "científicas" na engenharia e nas
tecnologias é um erro que castra mesmo o essencial do que se procura ou
pretende. Esta confusão é lamentável, bem conhecida e persistente.
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